Comecei a dar aulas em 2014. Naquele ano, cheia de energia e vontade de transformar a realidade da educação no Brasil. Ah, pobre de mim! Mal sabia, que o desafio era muito maior do que eu imaginei.
Mas o que eu não sabia é que, mais do que ensinar, eu precisaria aprender a conviver com a insegurança constante de ser contratada temporariamente e, ano após ano, passar por processos seletivos exaustivos e desumanos.
Passei seis anos na rede pública, renovando contratos, participando de seleções que me testavam como se cada ano de experiência anterior não tivesse valor.
Paralelamente, trabalhei quase quatro anos em uma escola particular, o que me ajudou a manter uma estabilidade financeira temporária, mas que não resolvia o problema central: a precariedade e a falta de continuidade na minha atuação na educação pública.
Foi somente há um ano e meio que conquistei um cargo efetivo em uma prefeitura vizinha à minha cidade.
Essa vitória, porém, veio após anos de sacrifícios pessoais e profissionais. Depois de dez anos atuando como professora do ensino fundamental II, sinto que eu preciso dizer o que eu penso, sobre os processos seletivos que somos submetidos.
LEIA TAMBÉM: DICAS PARA PROFESSORES INICIANTES
Apostilas para professores de todas as disciplinas |
A Falta de Equidade para Professores Contratados
Os desafios de ser professor contratado são muitos. Um dos maiores é a falta de equidade nos benefícios em relação aos professores efetivos. Os contratados, ficam à mercê de contratos que muitas vezes não garantem, férias remuneradas, plano de saúde, acesso a formações continuadas oferecidas pela rede, estabilidade no trabalho entre outros benefícios, comprometendo assim o avanço na carreira do professor.
Além disso, os professores contratados enfrentam uma burocracia excessiva. A cada ano, é necessário reunir documentação, comprovar experiências e, muitas vezes, enfrentar atrasos na renovação de contratos, o que pode significar meses sem salário.
Essa insegurança afeta o professor, sua família, que depende dessa renda para sobreviver e claro, o aluno.
É uma sensação constante de exclusão, como se fôssemos profissionais de segunda categoria. Esse sentimento é ainda mais reforçado pelo preconceito que muitos professores efetivos demonstram.
Já ouvi frases como: “Você é só contratada, não precisa se preocupar com isso”. Essa postura também reflete uma hierarquia injusta, onde as contribuições dos contratados — que muitas vezes assumem as turmas mais desafiadoras — são minimizadas ou ignoradas.
Outro aspecto é a dificuldade de criar vínculos significativos com os alunos e com a equipe escolar. A frequente troca de profissionais gera instabilidade, tornando mais difícil o desenvolvimento de projetos pedagógicos a longo prazo.
LEIA TAMBÉM: TÉCNICAS DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS NO AMBIENTE ESCOLAR
Apostilas para professores de todas as disciplinas |
Rotatividade de Professores e Impactos no Ensino
Essa divisão entre contratados e efetivos não só desumaniza quem está lutando por um lugar na educação, mas também prejudica o ensino como um todo. A rotatividade de professores é um problema grave.
Os alunos não conseguem criar laços de afinidade com os professores, a falta de continuidade no trabalho pedagógico prejudica o aprendizado.
Professores contratados muitas vezes não recebem o livro didático do professor, ferramenta fundamental para o planejamento de aulas.Projetos pedagógicos a longo prazo se tornam inviáveis, pois são frequentemente interrompidos pela mudança de docentes.
Além disso, o impacto dessa rotatividade se estende à comunidade escolar, dificultando a criação de vínculos entre a equipe e comprometendo a qualidade da educação ofertada.
Como planejar e implementar estratégias pedagógicas efetivas quando, a cada ano, o cenário muda completamente?
LEIA TAMÉM: COISAS QUE UM PROFESSOR NÃO DEVE FAZER JAMAIS
Apostilas para professores de todas as disciplinas |
Aposentadoria do Professor e Precariedade na Qualidade de Vida
Outro ponto que não pode ser ignorado é o impacto na aposentadoria. Cada contrato temporário significa contribuições descontínuas para a previdência, o que torna quase inalcançável a tão sonhada aposentadoria digna.
Conheço colegas que passaram mais de 20 anos renovando contratos sem conseguir estabilidade, apenas para, no fim da carreira, se depararem com benefícios reduzidos ou até mesmo insuficientes para viver.
Além disso, mesmo aqueles que conseguem se aposentar enfrentam outro desafio: a drástica redução salarial. Muitos professores aposentados acabam recebendo valores insuficientes para arcar com despesas básicas, forçando-os a voltar às salas de aula para complementar a renda.
Essa situação cria um ciclo de desgaste físico e emocional, já que, após décadas de trabalho, eles deveriam poder desfrutar de um descanso merecido. Porém, a realidade é outra: escolas repletas de profissionais já aposentados, mas ainda ativos por necessidade financeira, carregando as consequências de um sistema que não valoriza sua dedicação.
Esse cenário também impacta a qualidade do ensino, pois professores mais velhos enfrentam limitações de saúde que tornam difícil atender às demandas de turmas cada vez mais numerosas e desafiadoras. O problema é estrutural e reflete a precariedade com que a carreira docente é tratada em diversos aspectos.
Apostilas para professores de todas as disciplinas |
Processo Seletivo; Sistema Caro para as Prefeituras
E o que dizer sobre os custos para as prefeituras? Parece irracional gastar tanto com rescisões anuais, que só beneficiam a burocracia e drenam recursos que poderiam ser aplicados na infraestrutura das escolas.
Quantas salas de aula poderiam ser reformadas? Quantos materiais pedagógicos poderiam ser comprados com esse dinheiro? Em vez disso, opta-se por um modelo que não beneficia nem o professor, nem o aluno, nem a escola.
Agora, eu pergunto: Até quando esse sistema de contratação vai permanecer no nosso país?
Até que ponto o poder público consegue mudar essa realidade. Se é que eles querem essa mudança.
A precariedade enfrentada por professores contratados é agravada por um cenário preocupante no mercado de trabalho docente.
Estudos recentes indicam que o Brasil poderá enfrentar um déficit significativo de professores nos próximos anos.
Uma pesquisa do Instituto Semesp projeta que, até 2040, o país poderá ter uma carência de aproximadamente 235 mil docentes na educação básica.
Essa escassez é atribuída a diversos fatores, como o desinteresse dos jovens pela carreira docente, motivado por baixos salários e condições de trabalho inadequadas.
Além disso, há um envelhecimento significativo do corpo docente: o número de professores com até 24 anos caiu 42,4% entre 2009 e 2021, enquanto o número de docentes com 50 anos ou mais aumentou 109% no mesmo período.
Paradoxalmente, mesmo com a previsão de escassez de profissionais, muitos professores enfrentam o desemprego ou a necessidade de se submeter a contratos temporários e processos seletivos anuais para garantir uma posição.
Essa situação cria um ciclo de instabilidade que afeta tanto os educadores quanto a qualidade do ensino oferecido aos alunos.
Diante desse cenário, é importante refletir sobre as políticas educacionais vigentes e buscar soluções que valorizem a profissão docente, oferecendo condições dignas de trabalho e estabilidade para os profissionais da educação.
Somente assim poderemos garantir um futuro promissor para a educação no Brasil.
Hoje, quando olho para trás, vejo que a minha trajetória foi marcada por muita resiliência. Tive que me dividir entre cidades, abdicar de fins de semana com a família para estudar para provas seletivas e lidar com a incerteza constante sobre o meu futuro.
Conquistar um cargo efetivo foi, sem dúvida, uma das maiores vitórias da minha carreira. Mas não deveria ser tão difícil assim para quem tem como objetivo ensinar.
Gostaria muito de saber sua opinião sobre isso. Deixe nos comentários um relato com sua experiência e opinião sobre o assunto.
Gratidão!
0 Comentários
Gostou do conteúdo?
Compartilhe e participe do debate deixando seu comentário.
Inscreva-se para receber novidades!
Faça parte da nossa comunidade de aprendizado.
Obrigada por ler e compartilhar!
Professora Camila Teles